Em termos de má distribuição de renda, o abono só perde para a dedução por dependente na tabela do Imposto de Renda
Por Fabio Graner — Brasília
A retirada das mudanças na regra do abono salarial não representa apenas uma complicada derrota política do governo, mas também a manutenção de uma política que reduz espaço fiscal sem exatamente produzir maior justiça social. É verdade que não dá para dizer que quem ganha dois salários, atual limite para fazer jus ao abono, seja rico. Longe disso e esse dinheiro certamente faz diferença na vida dessas pessoas, o que precisa ser levado em conta.
O programa, porém, tem problemas, ao beneficiar apenas trabalhadores com carteira assinada (o que no Brasil de hoje já significa uma ascensão social) e atingir parte da população com renda acima da média de R$ 1,37 mil do país.
Os problemas do abono são conhecidos há tempos. No governo Dilma Rousseff, a sua extinção foi discutida como forma de melhorar a equação fiscal e direcionar os recursos para políticas sociais mais eficientes ou mesmo para investimentos, que geram mais empregos.
Nos bastidores da atual equipe econômica, a reação à derrota imposta anteontem pelo Senado é, como se esperava, de lamento. “Péssimo”, comentou uma fonte. Circulava no governo tabela mostrando que, em termos de má distribuição de renda, o abono só perde para a dedução por dependente na tabela do Imposto de Renda.
O material mostra que 39% do abono vai para o terço superior de renda, 45% para o terço do meio e apenas 16% para o terço inferior. Para se ter uma ideia, no programa Bolsa Família, 77% dos benefícios vão para o terço inferior de renda e apenas 2% para o superior. Só a dedução do imposto de renda por dependente é mais regressiva, com 99% do benefício indo para o terço superior de renda da população.
Se a reforma da Previdência fosse aprovada com a mudança no abono, a nova regra já valeria no ano que vem, mas seu impacto fiscal seria sentido somente a partir de 2021, totalizando R$ 76,4 bilhões em dez anos.
A proposta aprovada pela Câmara previa que o direito ao benefício seria para pessoas com renda de até R$ 1,3 mil, valor melhor do que o inicialmente proposto pelo governo, de um salário mínimo. O texto definido pelos deputados era bem razoável, alinhando o benefício praticamente ao nível de renda per capita. Os senadores, contudo, optaram por manter o quadro atual, salvando uma despesa obrigatória que poderia ter destinação mais eficiente para promoção do crescimento e justiça social.
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