Com perda de 24,85%, moeda brasileira tem pior desempenho global no ano
Por Lucas Hirata e Marcelo Osakabe — De São Paulo
Em um cenário de juros baixos e fragilidades notórias da economia doméstica, o real tem ocupado dois postos bastante negativos neste período de pandemia. É a moeda com pior desempenho no ano em uma lista das principais divisas do mundo e carrega uma volatilidade mais acentuada que seus pares emergentes. As viradas abruptas de direção no câmbio, que têm se tornado rotina por aqui, chamam a atenção dos analistas e até trazem alguns questionamentos sobre a ausência de uma postura mais dura do Banco Central no mercado.
Mesmo após um certo alívio recente no câmbio, o real voltou a se depreciar contra o dólar nos últimos dias, com uma dose reforçada de volatilidade. A moeda perde 24,85% de seu valor no acumulado do ano, abrindo distância para a queda de 18,34% do rand sul-africano e de 16,67% do peso mexicano, os piores colocados entre 33 divisas globais.
Ontem, o dólar comercial alternou entre altas e baixas até fechar com um leve avanço, de 0,21%, aos R$ 5,3358. A moeda chegou a tocar R$ 5,3851 na máxima do dia, mas caiu durante a manhã até R$ 5,2676.
Em todo o mundo, o clima de negócios é dividido entre as preocupações com uma nova onda de contágio da covid-19 e as medidas econômicas para enfrentar a crise. A diferença por aqui, no entanto, é que os movimentos têm sido mais intensos e abruptos que em outros locais, tanto em dias positivos quanto em momentos mais tensos.
A volatilidade implícita de dois meses do real está rodando perto de 23%. Esse é o risco precificado no mercado sobre a variação da moeda nas próximas semanas, em um cálculo baseado em preços de derivativos cambiais. Para efeito de comparação, o mesmo indicador do peso mexicano está em 17%, assim como o do rand sul-africano.
“A volatilidade maior do real em relação aos demais emergentes tem a ver com a grande incerteza fiscal e política. Nós estamos fazendo expansão fiscal e monetária de forma ousada, já que o momento exige, mas não estamos apresentando como voltaremos às trajetórias de sustentabilidade fiscal. Pelo contrário, surgem cada vez mais propostas de expansão de gastos permanentes, colocando em risco nossa única âncora fiscal, o teto de gastos”, alerta a economista-chefe da ARX, Solange Srour.
Para Marcos Mollica, gestor do Opportunity, em um ambiente que a pandemia domina a dinâmica de preços, o Brasil ainda é visto como um país bastante vulnerável. “Há uma melhora da pandemia na margem, mas ainda temos números muito ruins”, explica o profissional. Além disso, em termos técnicos, ele afirma que, apesar da melhora no balanço de pagamentos, ainda há pouco espaço para uma apreciação significativa do real.
O profissional aponta também que o mercado de câmbio tem sido o instrumento escolhido por investidores para montar posições de “hedge” para defender apostas em bolsa, em juros ou até em outros emergentes. Isso significa que a busca por proteção é intensificada por aqui em dias de nervosismo, mas que há um rápido desmonte de posições em dias mais positivos. “Não são posições estruturais, não se trata de um fluxo estrutural de saída do Brasil. São movimentos com pouco compromisso, com posições que são revertidas com mais rapidez dependendo do humor no mercado”, acrescenta Mollica.
Alguns profissionais de mercado têm até estranhado a ausência de intervenções do Banco Central em dias de disparada do dólar, quando o movimento por aqui é muito mais intenso que de outros mercados emergentes. Na terça-feira, por exemplo, o dólar avançou mais de 3% por aqui, praticamente o dobro do ritmo registrado contra o peso mexicano.
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