David Beker, do Bank of America: impacto da piora do mercado de trabalho sobre a inflação vai ser mais acelerado.
A inflação de serviços caiu para abaixo de 8% pela primeira vez desde dezembro de 2010 nos doze meses encerrados em março, ao alcançar 7,68% nos cálculos da 4E Consultoria, que excluem as passagens aéreas por serem muito voláteis. A desaceleração foi bastante significativa em relação ao mesmo período terminado em fevereiro, de 0,42 ponto percentual, e economistas avaliam que enfim há sinais de que a forte retração da demanda doméstica nos últimos trimestres está chegando ao índice oficial de preços.
O “alívio” não veio antes por uma série de razões, segundo esses mesmos analistas. Além de velhos conhecidos, como o elevado grau de indexação da economia brasileira e os efeitos da inércia, depois do aumento de 10,7% do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) no ano passado, economistas ponderam que o choque de alimentos na virada de 2015 para 2016, resultado do “El Niño”, retardou o processo já “contratado” de desaceleração doa inflação. Em março, o IPCA subiu 0,43%, segundo o IBGE, sendo que a alimentação foi responsável por 74% da alta do índice.
Por fim, os efeitos do desemprego sobre a renda total têm se intensificado, em parte porque com a longa duração da recessão, muitas pessoas estão agora perdendo direito a auxílios temporários, como seguro-desemprego.
Para Thiago Curado, sócio da 4E Consultoria, a inflação de serviços, que mesmo com a queda da atividade terminou 2015 com alta de 8,1%, explica em boa parte a força do IPCA nos últimos meses. A razão para isso foi a resistência do mercado de trabalho. “A taxa de desemprego e a renda real não caíram até meados do ano passado”, diz. “A recessão não afetou diretamente a inflação de serviços. O caminho precisava passar pelo mercado de trabalho antes”, afirma. O preço médio dos serviços subiu 0,27% no mês passado, contra 1,03% em fevereiro. Mesmo considerando na conta as passagens aéreas, que são bastante voláteis, a inflação de serviços no acumulado de 12 meses de março (7,56%) foi a menor desde de 2010 (7,73%).
Essa desaceleração, em conjunto com a deflação de preços administrados, contribuiu para que o IPCA, sempre no acumulado em 12 meses, tenha caído para 9,39% até março, deixando para trás a barreira psicológica dos dois dígitos, já que desde outubro a inflação estava acima dos 10%.
Eulina Nunes dos Santos, coordenadora de índices de preços do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), destaca que impostos, câmbio e efeitos do clima ainda pressionam os custos. No entanto, estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços estão enfrentando maior dificuldade na hora de repassar esse aumento para os preços finais. “Se a demanda está menos aquecida, é mais difícil repassar todo o custo. O fator demanda já está e continuará contribuindo para a baixa da inflação”, diz.
David Beker, chefe de economia e estratégia do Bank of America Merrill Lynch (BofA) no Brasil, avalia que, daqui para frente, o impacto da piora do mercado de trabalho será um pouco mais acelerado porque quem conseguia contar com alguma rede de proteção social, como seguro-desemprego, agora está perdendo essa fonte de renda. “O efeito é cumulativo, cada vez a inflação vai sentir mais”, diz ele. Beker projeta que os preços de serviços vão ceder para 6% até o fim do ano, enquanto o IPCA cheio deve encerrar o ano em 6,9%.
Segundo ele, um dos fatores que devem impedir a inflação de ficar no intervalo permitido pelo regime de metas no ano são os alimentos e bebidas. “Claro que temos inércia, mas já era para os preços terem perdido um pouco de força. Tivemos, na virada do ano, surpresa bastante negativa com a alimentação”, afirma Beker.
Os preços administrados, como energia elétrica e combustíveis, também só começaram a ser fonte de alívio mais recentemente. Entre fevereiro e março, os itens monitorados por contrato passaram de aumento de 0,39% para deflação de 0,36%, o que não acontecia desde março de 2014. “Finalmente, esses itens estão voltando para um patamar mais baixo”, observa Curado, depois da alta de 18,06% no ano passado. O principal motivo apontado para a deflação do mês passado foi a mudança do adicional cobrado pelo consumo de energia elétrica. A bandeira tarifária passou de vermelha para amarela no mês passado, o que levou o item energia elétrica residencial a cair 3,41%.
Curado ainda cita outros elementos que tornam a inflação no Brasil mais rígida, como o grau elevado de indexação da economia. “Mesmo com duas quedas do PIB, uma de 3,8% no ano passado e uma de 3,4% neste ano, segundo a projeção da 4E Consultoria, a inflação se manteve nesse patamar elevado. Isso é sinal de que existe uma indexação forte”, afirma.
Um exemplo de como a indexação continua a empurrar os preços para cima é o reajuste dos medicamentos autorizado no fim de março, que permite que os preços desses produtos subam até 12,5% neste ano. “Isso reflete a inflação passada”, diz. “Sem indexação, o IPCA iria para 4,5% [o centro da meta] muito mais rapidamente, talvez já no ano que vem”, afirma o economista, que calcula alta dos preços de 6,1% em 2017.
Para o Banco Brasil Plural, a dinâmica de preços continua desafiadora, especialmente por causa dos impactos do câmbio. Os bens comercializáveis já acumulam alta de 1,5 ponto no primeiro trimestre e de 9,78% em 12 meses, maior variação desde novembro de 2003. Por outro lado, destaca o banco, os serviços, principalmente aqueles mais sensíveis à demanda, começam a ceder, o que leva a crer que o IPCA deve continuar alto, mas manter trajetória cadente ao longo do ano. Para abril, a estimativa é de avanço de 0,49% no mês e 9,15% no acumulado em 12 meses.
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