Por André Mizutani e Roberta Costa | De São Paulo

O dólar tem desafiado a sabedoria convencional desde a última reunião do Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA), anotando ganhos significativos no exterior, especialmente contra as moedas das economias emergentes, apesar da forte queda dos yields dos títulos soberanos globais.

O Fed indicou que não elevará os juros neste ano, o que, em tese, deveria enfraquecer a moeda e não o contrário. Mas como a revisão das perspectivas (“guidance”) para a política monetária teve como pano de fundo o risco negativo para a economia, imperou um desconforto entre os investidores com as expectativas para a economia global. A avaliação dos mercados financeiros parece ser de que a economia americana está em clara desaceleração, mas menos acentuada do que em outras das principais economias globais – suficiente para impedir o Fed de elevar novamente os juros em 2019, mas não para gerar um risco de recessão no curto prazo. É o chamado “diferencial de crescimento” em relação à zona do euro, principalmente.

Este risco envolve também as economias emergentes, muitas das quais com bancos centrais já sinalizando cortes de juros diante de uma atividade fraca ou em desaceleração. Isso se aplica às moedas de países que têm claro este cenário: Brasil, Turquia, África do Sul e Argentina são bons exemplos. Isso torna os EUA mais atraentes do que as outras economias avançadas, o que dá suporte ao dólar.

As movimentações de outros bancos centrais para cancelar ou postergar os seus planos de normalização monetária são “um motivo para não punir o dólar pelo fato de que o Fed encerrou o seu ciclo de juros antes do esperado”, disseram analistas do Commerzbank ao “Financial Times”. Ainda assim, os analistas dizem que estão confusos sobre como “o dólar consegue operar com ‘valuation’ tão alto sem a expectativa de mais elevações dos juros do Fed”.

As moedas emergentes vinham tendo boa performance desde o começo do ano, na esteira do “selloff” dos mercados globais visto em dezembro. O índice MSCI de moedas começou o mês de janeiro a 1614,6 pontos, chegando a 1649,15 na véspera da decisão do Fed. De lá para cá, desacelerou e recuou 0,2%, mas ainda está 1,9% acima do último dia do ano passado.

Da quarta passada para cá, com o aumento das preocupações, o dólar avançou sobre essas moedas, bem como sobre seus pares. Olhando o retrato das perdas no acumulado do ano, é claro que a maior parte aconteceu nesta última semana.

Além da força ampla do dólar no exterior, as moedas das economias emergentes seguem sob pressão também de uma série de fatores conjunturais específicos de cada país, como a reforma da Previdência no Brasil, os temores de inflação na Argentina e a insegurança política da Turquia e na África.

O real, especificamente, teve ontem uma das piores performances em relação ao dólar desde a decisão do Federal Reserve, recuando cerca de 5,4% no período de uma semana. O peso argentino lidera as perdas em relação ao dólar, recuando mais de 7% desde a quarta-feira passada, enquanto o peso mexicano e o rand sul-africano recuam mais de 2,5% frente à moeda americana.

A lira turca, porém, segue na contramão das outras moedas emergentes e subiu cerca de 0,6% frente ao dólar. O país, que depende principalmente da entrada de capital especulativo, pode se beneficiar do afrouxamento monetário, mas a moeda segue em baixa de cerca de 1,9% no ano.

Os mercados também passaram a ver o potencial de um corte dos juros nos EUA já neste ano, com os futuros dos Fed Funds apontando ontem 73,6% de probabilidade de pelo menos uma movimentação para baixo até a reunião de dezembro, de acordo com dados do CME Group.

Os receios dos investidores com os juros e com a desaceleração econômica pressionaram os mercados acionários, que fecharam com perdas amplas, porém não muito acentuadas. Ontem, o índice Dow Jones da bolsa de Nova York fechou em queda de 0,13%, a 25.625,59 pontos, enquanto o S&P 500 recuou 0,46%, a 2.805,37 pontos, e o Nasdaq caiu 0,63%, a 7.643,37 pontos.

Os temores com a desaceleração econômica global, que motivaram a mudança de postura do Fed, geraram também uma inversão da curva de juros, com o yield da T-bill de três anos ultrapassando o da T-note de dez anos na sexta-feira.

A inversão da curva de juros preocupa especialmente os investidores, pois costuma sinalizar a aproximação de uma recessão. O que chama a atenção, porém, é que, juntas, a queda dos yields e a inversão da curva de juros deveriam pressionar o dólar, mas o ICE Dollar Index mesmo assim subia cerca de 0,5% desde antes da decisão do Fed, depois de tomar um tombo de 0,64% na quarta-feira da semana passada, logo após o comunicado do banco central dos EUA.