Por Juliana Schincariol e Silvia Rosa | Do Rio e de São Paulo
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editou a regra que regulamenta as ofertas públicas de distribuição dos Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA). Depois de mais de um ano em audiência pública, a Instrução 600 entra em vigor em 31 de outubro e introduz um novo marco regulatório, com regras específicas para o segmento.
Até então, a norma dos Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) era usada como parâmetro para essas emissões, mas nem sempre os produtos se encaixavam perfeitamente. Em algumas ocasiões, o colegiado teve que decidir sobre determinados casos, o que deixava as emissões mais lentas do que o esperado. “O CRA foi ganhando popularidade. A emissão de CRA corporativo cresceu bastante, o que aumentou nossa prioridade para tratar o tema”, afirma o superintendente de desenvolvimento do mercado da CVM, Antonio Berwanger.
Um dos principais pontos da norma foi a definição do que poderá ser considerado lastro para a emissão dos títulos e quem pode fazê-lo. O CRA é ofertado por uma securitizadora e tem como lastro recebíveis originários de negócios entre produtores rurais. Também vale para cooperativas e terceiros relacionados com a produção, comercialização, beneficiamento ou industrialização de produtos e insumos pecuários e máquinas e implementos utilizados na atividade agropecuária.
A CVM definiu que a comercialização de produtos agropecuários inclui a atividade de compra, venda, exportação, intermediação, armazenagem e transporte de produtos in natura, mesmo conceito utilizado pela Receita Federal.
São considerados os produtos em seu estado natural ou sujeito a um beneficiamento primário ou industrialização rudimentar, caso do etanol e do farelo de milho.
Na norma, a CVM reiterou entendimento do colegiado, que no ano passado indeferiu um recurso da Vert Securitizadora e do banco Santander para uma emissão de CRA que tinha como lastro notas promissórias emitidas por clientes da Syngenta. Os recursos da emissão eram para a compra de insumos pelos distribuidores da fabricante de defensivos agrícolas, que os revenderia para produtores rurais.
O entendimento inicial foi que o lastro das notas promissórias apresentadas para a emissão estava ligado aos distribuidores e não aos produtores. O colegiado autorizou a operação desde que a Syngenta comprovasse todos contratos de venda para o produtor rural. O CRA, que era pulverizado e não corporativo, atendeu todo o segmento do agronegócio na visão da Syngenta, que tinha a expectativa de que a decisão fosse refletida na norma, o que acabou acontecendo. “Antes ficava restrito ao produtor ou cooperativa e hoje podemos levá-los aos distribuidores”, diz o diretor de soluções da Syngenta, Roberto Bronzeri.
No entanto, o volume da oferta, realizada apenas neste ano, foi reduzido de R$ 850 milhões para R$ 300,6 milhões. “Nesse caso, a CVM queria ter o produto rural identificado desde o início da operação e não queria que os recursos da emissão de CRA servissem para financiar os estoque desses revendedores”, afirma Bruno Tuca, sócio do escritório Mattos Filho.
A sócia-fundadora da Vert Securitizadora, Victoria de Sá, diz que isso não é prática no mercado. “O normal é o distribuidor comprar os insumos primeiro para depois vendê-los para os produtores rurais aplicarem durante o crescimento da planta.” Segundo ela, a maioria das ofertas de CRA envolvendo empresas de defensivos agrícolas realizadas anteriormente a essa norma foram dessa forma. “Agora essa venda terá de ser feita antes da emissão do CRA, o que tornará mais difícil o financiamento para a safra do mesmo ano”, diz.
Victoria explica que 80% das vendas das indústrias de insumo são feitas para os distribuidores e apenas uma pequena parcela é feita diretamente ao produtor rural. Ainda segundo Victoria, a emissão de CRA que tem como recebíveis duplicatas detidas pelas empresas de defensivos, referentes a dívida dos distribuidores, também não poderá ser mais feita. Apesar disso, ela não acredita que a nova norma reduza o volume de emissões de CRA, que soma R$ 1,972 bilhão no ano até junho, especialmente as emissões de CRA por grandes empresas que têm como lastro negócios diretos com os produtores rurais. Gabriel Leutewiler, sócio do Santos Neto Advogados, concorda que a instrução deveria capturar melhor o conceito de agronegócio e menos com o de produtor.
A norma da CVM também trouxe mudanças em relação à distribuição dessas ofertas em mercado. Uma delas se refere à oferta desse título para investidores de varejo. Esse investidor já podia comprar CRA desde que os recebíveis fossem emitidos por um único emissor, que fosse empresa de capital aberto ou instituição financeira. Agora também vão poder comprar CRA com lastro em recebíveis de diferentes emissores, de risco pulverizado, desde que haja retenção substancial de riscos pelo cedente ou por terceiros – ou seja, que essa operação fique no balanço contábil desses participantes. Além disso, os devedores ou co-obrigados devem ter exposição máxima de 20% do total emitido.
Os investidores qualificados – com mais de R$ 1 milhão em aplicações – podem comprar CRA com lastros em recebíveis de empresas abertas, instituições financeiras e companhias com demonstrações auditadas. Para os profissionais, com mais de R$ 10 milhões em investimentos, não há restrição.
A norma trouxe mais transparência para o produto com a alteração da periodicidade do informe trimestral para mensal e da comprovação dos recursos pelo agente fiduciário de trimestral para semestral. “A instrução traz mais segurança regulatória para o mercado “, diz Flávia Palácios, coordenadora do Comitê de Securitização da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
Além disso, as companhias securitizadoras poderão realizar ofertas públicas de CRA de até R$ 100 milhões em a contratação de instituições intermediárias. “Esse foi um pleito das próprias securitizadoras, que indicaram que o custo de escriturar operações menores ficava muito caro quando tinham que contratar intermediários”, diz Berwanger, da CVM.
A CVM deixou clara a responsabilidade de cada participante da oferta. A securitizadora será responsável pelo monitoramento e controle dos lastros. O custodiante e o agente fiduciário terão de ser empresas diferentes.
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