Por Camila Souza Ramos | De São Paulo

A existência de trabalho infantil e análogo à escravidão em fazendas de cacau também ocorre no Brasil, embora seja uma realidade ainda pouco mensurada, informou o Ministério Público do Trabalho (MPT). Em novembro, o órgão divulgou um relatório, elaborado em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em que destaca autuações dos últimos anos e elenca dez fatores que contribuem para o desrespeito os direitos trabalhistas no segmento no país.

Quatro operações realizadas pelo MPT desde 2013 são mencionadas como exemplos de existência de trabalho análogo à escravidão em fazendas de cacau no Brasil. A última operação citada foi em maio de 2018, em Ilhéus, na Bahia, quando foram resgatados 12 trabalhadores em duas fazendas que viviam “com suas mulheres e crianças, em condições degradantes de moradia, trabalho e higiene”.

De acordo com o MPT, um estudo de 2016 com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) indicou que havia ao menos 7,9 mil crianças e adolescentes entre dez e 17 anos trabalhando em plantações de cacau no país. E, conforme dados do IBGE também citados pelo órgão, o registro de trabalho infantil em regiões de cacau subiu 5% de 2000 a 2010 – nas atividades econômicas em geral, houve queda de 13,4%.

O relatório do MPT de novembro, divulgado pouco mais de um mês após a indústria lançar um plano próprio de sustentabilidade para o Brasil, o “Cocoa Action”, provocou um chacoalhão nas empresas e gerou um “senso de urgência” para mudanças, segundo Eduardo Bastos, diretor executivo da Associação das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC).

“Chocou muita gente da cadeia. Para quem está no dia a dia, não é essa a escala de trabalho infantil. Mas não temos números para contrapor”, admite. De qualquer forma, ele afirma que a indústria tem consciência da existência do problema.

O primeiro fator citado pelo MPT como “determinante para as condições de pobreza, trabalho infantil, trabalho escravo e vulnerabilidade social nos polos de cacauicultura” é a desigualdade e a distância entre topo e base da cadeia. O órgão afirma que agricultores consultados reclamaram de “preços impostos de cima para baixo”.

Já as indústrias moageiras que atuam no país (as estrangeiras Barry Callebaut, Cargill e Olam) afirmam que os preços no Brasil estão entre os mais elevados do mundo. “No Brasil, hoje, pagamos o valor negociado na bolsa [de Nova York], mais R$ 280 [por tonelada]. Já pagamos o valor em bolsa mais R$ 900”, afirma Bastos. O preço na bolsa, porém, reflete basicamente à oferta do oeste da África, que produz dois terços da oferta mundial.

Para o executivo, o problema no Brasil não é preço, mas produtividade. Na Bahia, o rendimento está em torno de 300 quilos por hectare, enquanto na Costa do Marfim chega a 500 quilos. “Isso torna a renda por hectare baixa. Por isso, a indústria paga no Brasil o cacau mais caro do mundo e o produtor recebe um dos menores valores do mundo.”

O MPT chama a atenção para o papel dos vários atravessadores na cadeia, que não checam se os produtores respeitam os direitos trabalhistas. O problema é mais recorrente no Pará, onde as distâncias entre produtores e compradores são maiores.

A indústria reconhece esse problema. Segundo Bastos, as empresas pretendem aumentar a originação direta dos agricultores para garantir a rastreabilidade. Atualmente, a parcela originada diretamente não chega a 15%. “Uma das frentes [de atuação] é buscar ao menos 50% de suprimento direto em não mais que cinco anos”, diz.

Outro problema, afirma o MPT, é a sonegação, que “torna mais difícil o rastreamento”. Bastos diz que a indústria arrecada pelo cacau que paga e que o problema é que o recuso não vai para o município de origem. Para ele, essa é uma questão a ser resolvida pelos governos estaduais, mas diz que pretende conversar com o governo do Pará para buscar uma solução.