Por William Koga e Eduardo Herszkowicz
Em 30 de outubro de 2018, o Colegiado da CVM, em decisão proferida no processo administrativo CVM nº 19957.003689/2017-18, identificou que diversos emissores solicitaram e registraram ofertas públicas com características tais que, apesar de serem declaradamente públicas “não envolvem ato algum de distribuição pública e, por conseguinte, seriam privadas”.
O Ofício-Circular CVM/SER nº 02/19 de 27 de janeiro de 2019, trouxe orientações gerais sobre os procedimentos a serem observados pelos emissores e intermediários em ofertas públicas de valores mobiliários, com um tópico específico sobre a distribuição privada de cotas de fundos de investimento fechados.
Ao mesmo tempo em que reconhece a possibilidade de realização de ofertas privadas de cotas de fundos de investimento fechados, a CVM não define na regulamentação o que se configura como uma oferta privada.
Não é compatível com uma oferta privada qualquer mecanismo ou instrumento que tenha intenção de atingir um público indefinido
Uma tentativa de conceituação passa, primeiramente, pela identificação dos elementos característicos das ofertas públicas e, subsequentemente, pela utilização deles para desqualificar determinada oferta como pública e, então, configurá-la como privada.
Uma oferta pública é direcionada ao mercado em geral, permitindo a aquisição de valores mobiliários por investidores indeterminados. Dentro deste critério, existem outros elementos que caracterizam a oferta como destinada ao público em geral. A Lei nº 6.385, que regula o mercado de capitais, indica em seu artigo 19 algumas hipóteses, tais como a utilização de listas ou boletins de venda ou subscrição, folhetos, prospectos ou anúncios destinados ao público; a procura de subscritores ou adquirentes por meio de empregados, agentes ou corretores; e a negociação feita em loja, escritório ou estabelecimento aberto ao público, ou com a utilização dos serviços públicos de comunicação.
A Instrução CVM 400, em seu artigo 3º, indica ser elemento configurador das ofertas públicas a utilização de publicidade, em qualquer forma ou meio, com o objetivo de promover a subscrição ou alienação de valores mobiliários.
Fica evidenciado, portanto, como primeiro elemento de configuração de uma oferta pública, a distribuição indiscriminada de valores mobiliários, voltada ao público em geral, seja pelo próprio ofertante ou por meio de terceiros contratados.
Um ponto interessante é extraído da exposição de motivos da Lei nº 6.385, que indica que apenas a emissão pública está sujeita ao registro, não sendo aplicável a norma à emissão particular, como é o caso da emissão negociada com um grupo reduzido de investidores que já tenham acesso ao tipo de informação que o registro visa divulgar.
Há, aqui, um ponto de partida para a definição de ofertas privadas. Pode-se extrair um critério objetivo, a determinação do público alvo da oferta, e outro subjetivo, o conhecimento das informações relevantes sobre o investimento pelo público alvo da oferta.
Não é compatível com uma oferta privada qualquer mecanismo ou instrumento que tenha intenção de atingir um público indefinido. Por isso, a oferta privada deve ser direcionada exclusivamente a um rol predeterminado de potenciais investidores. E, ainda mais, a oferta privada deve prever o cancelamento do saldo não subscrito ou não adquirido por tais investidores, evidenciando, assim, a não existência de intenção de colocação dos valores mobiliários junto à investidores não previamente determinados.
A base de ofertados, ainda que determinados, não pode ser aleatória ou demasiadamente extensa. A Instrução CVM 476, que trata das ofertas públicas com esforços restritos de colocação, fixa em 75 o número de investidores profissionais que podem ser procurados no âmbito de uma oferta pública com esforços restritos. Assim, pela lógica da legislação brasileira, uma oferta privada não poderia ser destinada a mais de 75 investidores, ainda que sejam previamente determinados e qualificados.
Parece razoável importar o referencial extraído da Rule 506 da Regulation D editada pela SEC, que, atendidas determinadas condições, isenta o registro de oferta de valores mobiliários em que o número de investidores seja inferior a 35.
Ainda com relação ao público alvo de uma oferta privada, deve ser considerado outro elemento subjetivo, em adição ao critério objetivo da amplitude da base de ofertados. Com base no artigo 3º da Instrução CVM 400, não se caracteriza como pública a oferta destinada a investidores que mantenham prévia relação comercial, creditícia, societária ou trabalhista, estreita e habitual com a emissora. Além de ser restrita, a base de investidores predeterminados deve ser construída a partir de um prévio relacionamento entre os ofertados e o ofertante dos valores mobiliários.
A CVM já sinalizou a intenção de reformar a Instrução CVM 400 e a Instrução CVM 476, para prever hipóteses nas quais seria configurada uma oferta privada, na tentativa de esclarecer as questões que circundam esta matéria, de suma importância para todos os participantes do mercado de capitais brasileiro.
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