MP impede que instituições diferentes compartilhem garantia

Por Talita Moreira — De São Paulo

O Banco Central (BC) deu um novo passo para estimular o crédito com garantia imobiliária, pouco utilizado no Brasil, ao permitir que um mesmo imóvel seja usado para lastrear mais de um empréstimo. Da forma como foi desenhada, porém, a medida terá efeito limitado sobre a competição entre bancos e fintechs.

A medida provisória (MP) 992/2020, editada na semana passada e regulamentada ontem, permite o compartilhamento da alienação fiduciária de imóveis entre duas ou mais operações de crédito. A condição, no entanto, é que os contratos sejam firmados na mesma instituição financeira. Ou seja, a regra não prevê que um cliente tenha um financiamento imobiliário em determinado banco e tome empréstimo em outra instituição apresentando a mesma garantia.

O desenho surpreendeu fintechs de crédito, que esperam reverter a decisão durante as discussões da MP no Congresso. “A preocupação é que, do jeito que está, pode gerar mais concentração bancária em vez de mais competição”, diz Alexandre Graziano, chefe de assuntos legais, compliance e políticas públicas da Creditas, fintech especializada em crédito com garantia.

O modelo que vinha sendo defendido pelas novas entrantes do setor contemplava a criação de um agente de garantia, uma espécie de “trustee”, que manteria o patrimônio segregado e ficaria responsável por administrar as garantias de todos. A proposta chegou a ser discutida com o BC.

Para Romero Albuquerque, diretor da área de crédito imobiliário do Bradesco, o compartilhamento da garantia entre mais de uma instituição financeira é um passo mais complexo e poderia gerar insegurança jurídica. Uma das questões é se haveria vencimento antecipado das dívidas se o cliente ficasse inadimplente em um contrato, mas em outro, não.

Pontos como esse ainda serão discutidos, e é possível que, num passo adiante, o compartilhamento de garantias entre mais de um credor seja autorizado. O chefe do departamento de regulação do BC, João André Pereira, afirmou ontem a jornalistas que a MP é a primeira de uma série de medidas que a autoridade monetária tem em vista para gerar liquidez a partir dos imóveis.

De acordo com ele, as discussões agora vão evoluir para “algo mais amplo”, inclusive com a apresentação de uma garantia em mais de uma instituição financeira. Pereira disse que o BC optou pelo modelo mais simples, num primeiro momento, para colocar uma solução no mercado com maior rapidez. “Em razão desse contexto de aversão a risco, a gente abriu mais essa possibilidade de crédito”, disse.

A MP prevê que as novas operações com a mesma garantia terão de ser feitas com taxa de juros igual a ou menor que a oferecida no contrato original. O prazo também não poderá ser superior ao da primeira operação, e o valor financiável poderá ser igual ao do crédito imobiliário – se o cliente tomou R$ 300 mil e já pagou R$ 100 mil, poderá tomar até R$ 200 mil.