Por Talita Moreira | De São Paulo

O governo prepara uma ampla revisão sobre o uso e o alcance das garantias em operações de crédito. O objetivo é tirar algumas amarras existentes e, dessa forma, estimular o mercado de empréstimos e financiamentos e reduzir as taxas de juros.
O crédito lastreado em ativos como imóveis, veículos e recebíveis tem menos risco para os bancos e, por isso, é mais barato para o tomador em comparação com modalidades não garantidas.

O Ministério da Economia encabeça as discussões. Técnicos da pasta têm conversado com executivos de bancos e outras empresas do setor financeiro para detectar onde estão os entraves e o que pode ser feito, apurou o Valor.

Uma série de operações está no radar. Algumas já estão em andamento, como a flexibilização do uso de recebíveis de cartões como garantia, que será objeto de instrução normativa do Banco Central (BC) nos próximos meses. Outras são mais preliminares. É o caso do uso do imóvel rural para lastrear operações de crédito.

Uma das constatações é que, hoje, um produtor rural que tome um crédito lastreado em sua propriedade fica com toda a fazenda “bloqueada” mesmo que a dívida seja muito pequena em relação ao valor do ativo. Muitos fazendeiros acabam dividindo suas propriedades em várias para poder tomar crédito em cada uma delas, embora isso implique custos e ineficiências. Por isso, o que se estuda é como permitir que o imóvel possa garantir mais operações.

Outro ponto de discussão entre técnicos e agentes de mercado é como fazer um uso mais eficiente dos ativos imobiliários como garantia, segundo duas fontes chamadas pelo governo a apresentar sugestões. A ideia é que, num financiamento imobiliário, se o mutuário for pagando suas prestações e o ativo se valorizar, a diferença que “sobra” possa ser usada como lastro para outras operações de crédito.
Esse debate ainda está em estágios muito iniciais e encontra resistências no governo. A medida é bem-vista pelas instituições financeiras, já que pode ajudá-las a originar mais operações de crédito, tomando um risco baixo.

Hoje, não é possível fazer isso nem mesmo para tomar uma nova linha no mesmo banco que financiou a aquisição do imóvel e que, portanto, já conhece o risco daquele cliente. Isso porque o modelo de financiamento vigente no país é baseado na alienação fiduciária do ativo, e não na hipoteca. A propriedade só é do comprador depois da quitação.

O que já se faz no Brasil, ainda que em pequena escala, é o chamado “home equity”. O tomador oferece um imóvel que já tem como lastro para tomar um empréstimo pessoal. Porém, o cliente não pode usar o mesmo ativo para garantir mais de uma operação e o imóvel precisa estar quitado e registrado. Bancos digitais como o Inter e fintechs como Creditas e Bcredi oferecem a modalidade.

O uso da hipoteca para alavancar outras modalidades de crédito é comum nos Estados Unidos, onde a casa própria é não só um ativo imobiliário, mas também financeiro. Levada ao extremo, a prática contribuiu para a crise do “subprime” em 2008. O porém é que, nos Estados Unidos, créditos de alto risco eram securitizados e negociados no mercado – uma realidade bem diferente da brasileira.

Outra vertente em estudo pelo governo é a possibilidade de se fazer a chamada “hipoteca reversa”. Voltada a idosos, a modalidade permite ao tomador alienar um imóvel para a instituição financeira e, em troca, receber uma renda vitalícia que pode complementar a aposentadoria. A proposta é objeto de projeto de lei do senador Paulo Bauer (PSDB-SC).

O alcance dessa medida, porém, é considerado limitado por fontes do setor. O diagnóstico é que, dado o déficit habitacional, famílias inteiras dependem de um mesmo imóvel – o que dificulta trocá-lo por uma renda.

Enquanto o governo avalia como tornar mais eficiente o uso de garantias, o BC está debruçado sobre um problema já diagnosticado na gestão de Ilan Goldfajn: a recuperação de ativos oferecidos como lastro no Brasil é baixa, demorada e cara, o que contribui para o alto custo do crédito no país.